Wednesday, May 23, 2007

Como Que

Já aqui falei dos sistemas de localização ou navegação, genericamente conhecidos por GPS. Cheguei mesmo a apresentar, na altura, um processo de difamação aos produtores destes sistemas por, sistematicamente e sem qualquer tipo de pejo, colocarem velhinhas a darem as indicações em português. Agora, volvidos alguns anos, com toda a calma e ponderação que a vida nos acaba por ensinar, proponho-me fazer uma análise “como que” psicossomática destes sistemas.
Ora bem, quando se liga o GPS em inglês uma pessoa já sabe com o que conta: Turns lefts e turns rights, mais nada! Estamos entretidos a ver a paisagem e seguimos as orientações quase inconscientemente. A menina inglesa que dá voz ao GPS não distrai nem anima, é assim assim. Sabemos que está ali a cumprir a sua missão como o gajo que orienta qualquer metro está na cabine de comando sem darmos por isso. A voz inglesa do GPS passa, “como que”, despercebida.
Em alemão seria quase a mesma coisa não fosse não se entender patavina do que a alemã do GPS está a dizer. Está “práli”, mas ao contrário do que nos acontece com a voz inglesa, somos obrigados a distrairmo-nos com outras coisas. Não é uma voz incomodativa, mas torna-se uma castração ouvir algo que não nos orienta. Esta voz de GPS provoca-nos aquela ansiedade que, sem remédio, sentimos de todas as vezes que entramos num avião e verificamos que o piloto é, afinal, uma pilota, daí a distracção ser quase “como que” propositada.
Em espanhol um português começa “como que” a sentir-se em casa, com as devidas distâncias, saliente-se. A espanhola não fala, berra. Fala pouco (esta, apenas!) mas quando se decide a falar, berra! Por diversas vezes faço por me perder nas ruas para a ouvir gritar que tenho que inverter a marcha. Mulheres assim, espalhafatosas em público, devem ser “como que” uns cordeirinhos em casa. Mulher que se preze é precisamente assim, mas às avessas, não?
Mudo sem delongas para o português e tenho medo. Observo como o sistema começa a preparar o software para me dar as indicações na língua do meu Camões. Mais uma velhinha com voz de alzeimer no meu caminho?, fechei os olhos e respirei fundo. Não. Não desta vez. A voz é de uma mulher de 25 anos, como espero que a italiana, a que virá a seguir, o seja. Deve ser morena porque as portuguesas loiras e com 25 anos não emprestam a voz a sistemas de GPS. O Vira à direita a 200 metros é dito sem papas na língua. Notei uma grande diferença para a última velhinha do GPS em português com quem tive o desprazer de “privar”. A instrução é dada com propriedade, sem medos e sem falhas. Imagino a portuguesa naquela sua postura altiva e mundialmente conhecida: Mãos na cintura como quem se prepara para pegar o boi pelo cornos. “Vire à esquerda para encontrar o seu destino”. Sim, tenho de admitir que a dobragem em português deste GPS está muito melhor e consegue, até, pôr as hormonas de um polaco aos pulos, já para um português dos que se prezam será preciso bem mais, eu acho. Falta-lhe qualquer coisa ou as coisas que tem não estão “como que” bem amanhadas.
Perdi demasiado tempo tentando justificar a minha voz portuguesa. O destino estava já ali a 10 kms e eu tinha guardado, como sempre guardo, com todos os inconvenientes que essa estratégia acarreta, o melhor para o final. Mudo o idioma para Italiano e volto a ficar com medo. Tive medo que a minha instrutora imaginária, de não mais de 27 anos (tinha 25 da última vez que a ouvi), fosse substituída por um homem. Com italianos uma pessoa nunca sabe com o que conta! Mas não. Ali estava ela e deu para entender tudo ao primeiro fôlego. A mesma! É independente desde os 19 anos e é apenas aqui que, e até Pessoa o diria, se estranha antes de se entranhar: Os seus congéneres masculinos fazem questão de deixar as casas dos pais aí com uns 50 anos para pouparem umas massas para roupas, carros e fogos-de-vista. Mas não. Ela tinha, no máximo, 27, e tinha tudo. Tudo o que vai do encanto dos 25 ao charme do 40. Enganei-me pela primeira vez na estrada sem ser de propósito. Em 10 Kms sabia que me iria enganar muitas mais vezes sem ser de propósito - Nunca admitamos todos os nossos despropósitos! Aquela voz envolve-nos. “Destinatione” tem muito mais encanto que “Destino” e mesmo assim era a palavra que eu menos queria ouvir. Fiz todas as manobras que poderia fazer para ouvir todas as palavras que ela me tinha a dizer. Lindo! Surpreendente! “Gira à destra” é quase “como que” uma dança. Pedi que me levasse ao inferno estando certo de que ela não conseguiria lá chegar. Demorei 3/4 de hora para fazer 10 kms e tudo me pareceu tão rápido como 5 segundos. A relatividade de Einstein foi-me explicada ali como um estalo: Cinco segundos que, ao vivo, imagino, são capazes de nos mostrar tudo o que existe entre 25 e os 40!
(Em francês nem arrisquei. Havia “como que” igual probabilidade de me aparecer a voz de um homem no GPS, e, expostas essas condições, o risco não valeria a pena).

Friday, May 11, 2007

Tripla tributação!

- Estou.
- Estou sim… De onde fala?
- Repartição de finanças XX.
- Ah, boa tarde! Olhe, eu recebi um ofício da vossa parte a dizer que o meu pedido de isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ficou indeferido por o meu domicílio fiscal não estar actualizado. Como estou ausente do país queria que me indicassem um email para vos responder, uma vez que me concedem um direito de audição oral ou escrito. (Pausa) Estou, estou!, está a ouvir-me?
- Sim, estou.
- E então?
Pausa de 5 segundos.
- Estou, estou! Está a ouvir-me?
- Estou… O meilhe é um número que agora não sei muito bem, arromba min-financas.pt.
- E qual é o número então?
Mais 5 segundos de pausa. Apercebendo-se de que já não conseguiria dar saída àquela conversa, a auxiliar chamou o supra sumo daquela repartição de finanças: O JC (nome fictício). “JC, está aqui um senhor a pedir o meilhe daqui por causa do IMI”, consegui ouvir para lá do telefone. O JC lá se aproxima do aparelho, todo expedito (gosto de pensar positivamente e, até prova em contrário, todas as pessoas são super expeditas), e inicia o diálogo:
- Então diga lá o que quer!
Uma exclamação assim é quase um estalo na cara. É postura de bazar ou de mercado municipal. Ligo para uma repartição de finanças e perguntam-me o que é que quero. Até parece que têm assim uma imensa variedade de oferta: Um quilograma de IRS e meia dúzia de IVA, do dia, se “faxavor”. Se tivesse ligado para o mercado do bulhão talvez esta abordagem fizesse algum sentido. Mesmo assim condescendi e ditei-lhe o mesmo rame-rame do IMI e depois disse-lhe que precisava do endereço de email.
O JC passou-se!:
- Ouça lá, por meilhe não pode assinar!
Grande novidade, carago!, um gajo com esta perspicácia, o Luís Figo dos IMIs, não devia estar arrumado atrás de um balcão das finanças. Contive os ânimos e disse, juro, com toda a calma:
- Mas eu não quero assinar nada. Apenas quero dizer-vos por email que recebi o vosso ofício mas, porque estou fora do país, não posso dirigir-me aí. Quero pedir-vos por correio electrónico uma prorrogação de prazo!
O JP volta a passar-se:
- Mas por meilhe não vai resolver nada. O que o senhor precisa é de actualizar a residência e isso só pode fazer vindo aqui assinar. Ou mandar vir aqui alguém assinar por si, uma espécie de mandatário, entendeu?! O senhor faz um papelinho a dizer, eu abaixo-assinado, fulano de tal, venho por este meio conceder autorização a sicrano para os efeitos blá blá blá. E depois essa pessoa vem aqui, muda a residência e assina. O senhor vive na casa, não vive?
- Claro que vivo!
- Então por que não actualizou a residência?!
Aqui fui eu que me passei:
- Olhe, desculpe, como é que disse que se chamava?
“JC”, respondeu ele depois de engolir em seco. Não há nada como lhes recordarmos os seus nomes para eles descerem à terra!
- Sr. JC, eu quero resolver esta situação. Eu sei que deveria ter alterado a residência a tempo, mas agora já não há nada a fazer. O que posso fazer em relação isto, no ponto em que ele está?
O JC, completamente transformado, calminho com manda a lei das finanças públicas, responde:
- O senhor deve fazer o papelinho da forma que lhe indiquei a dar autorização para alguém vir aqui assinar. Não se preocupe. Eu vou ali ao arquivo dar indicação para alargarem o prazo até ao final do mês.
Muito obrigadinho!, terminei, para poupar no rooming. Este JC foi, afinal, um porreiraço, acabei por concluir.

Agora que me debruço sobre o assunto, fico pasmado com os meus obrigadinhos e a ingenuidade das minhas conclusões. Eu pago uma bolada de IRS e, para além disso, como todo o português, quase não havendo excepção, felizmente *, ainda tenho que pagar 21% de IVA sobre tudo o que consumo. Tudo bem, segundo os entendidos isto não é dupla tributação. Mas então o que é a dupla tributação? É muito simples, os 21% que pago devem-se à decisão de alguns aselhas de fazerem auto-estradas grátis para outros privilegiados. Assim, sou duplamente tributado porque não só pago as auto-estradas que uso diariamente como ainda contribuo com 4% de IVA, se tomarmos uns 17% como razoáveis, para o pagamento dos que se veraneiam nas vias chamadas Scuts. Por outro lado, tendo em conta que apenas 30% dos portugueses pagam o IRS que deveriam, ainda tenho que aguentar mais essa tributação: pago mais IRS para suportar os que não pagam. E isto o que é? Uma tripla tributação, “praí”!? Porque não há duas sem três, parte de tudo o que pago serve para manter os salários faustosos a estes Figos das Finanças que nos roubam mais de 30 minutos de um dia de trabalho (ou mesmo dias de trabalho se me tivesse deslocado lá) para esquematizar soluções que em 30 segundos se resolvem acedendo à Internet e mudando a morada “on-line”. Esta é a pior das tributações: Pagamos para nos fazerem pagar, mas devagarinho, devagarinho, devagarinho que com pressa a gente agita-se.

* Porque almejo maior justiça social, sou totalmente a favor dos impostos sobre o consumo. No meu pequeno éden não existiriam nem morte nem impostos, no éden que me seria permitido construir neste local, eu acabaria com os impostos sobre o rendimento e agravaria todos os que afectam o consumo. É muito simples: Por um lado ninguém vive sem consumir, por outro, quem tem grandes rendimentos tem um pão-nosso-de-cada-dia à base de umas farinhas muito mais caras e sofisticadas.